#62 MEDITAÇÃO INICIANTES – TRANSIÇÃO DA VIDA HUMANA À VIDA DIVINA

Iniciação Vida na Divina Vontade
#62 MEDITAÇÃO INICIANTES – TRANSIÇÃO DA VIDA HUMANA À VIDA DIVINA
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461. Complô junto a Cusa para a eleição de Jesus
como rei. 
23 de julho de 1946.

E Jesus a fixa penetrantemente.
– Tu já sabes, Mestre. Disto eu estava quase certa. Agora, já o estou
completamente. Cusa… Como é grande a incoerência dos homens! Seu
espírito de interesse é muito forte! E sua piedade para com as mulheres é
tão pouca! Nós somos… Que somos nós, até nós, mulheres dos melhores?
Somos como uma joia que se ostenta, ou que se esconde, conforme a
vantagem que daí resulte… Uma atriz, que deve rir ou chorar, mostrar-se ou
ficar escondida, conforme o Senhor quiser… sempre conforme o interesse
dele… É triste a nossa sorte, Senhor! E também degradante!
– Em compensação vos é dado subir mais alto no espírito.
– Isto é verdade. Soubeste por ti mesmo, ou te falaram? Tens visto
Manaém? Ele te estava procurando.
– Não, Não vi ninguém. Ele está aqui?
– Sim. Todos estamos aqui… Quero dizer: todos os cortesãos de
Herodes… e muitos para odiá-lo. Entre estes estão Cusa, desde quando,
pela vontade de Herodíades, Herodes se compraz em humilhar seu
intendente… Senhor, estás lembrado de como em Beter ele te disse que
queria separar-me de Ti, porque temia morrer no desfavor de Herodes? Não
são passados mais do que poucos meses… E ele quer agora que eu te
persuadisse a aceitares a ajuda dele para te tornares rei no lugar do
Tetrarca… Eu o devo dizer, porque sou mulher, sujeita por isso ao homem,
e, além disso, mulher hebreia, por isso mais do que sujeita à vontade do
esposo. E eu o digo… E não te aconselho… porque espero ficar sabendo já
que Tu… Oh! não te irás fazer rei com o favor das lanças assalariadas.
Oh!… que foi que eu disse! Eu não devia falar assim… Devia deixar-te
primeiro ouvir Cusa e Manaém e outros… E, se eu ficasse calada, não faria
mal? Senhor, ajuda-me a ver o que é justo…
461.7 – O que é justo está em teu coração, Joana. Nem com as cortes
romanas, nem com as lanças israelitas Eu me farei rei, ainda que Roma e
Israel quisessem pacificar esta região por meio de Mim. Eu já compreendi o
suficiente para reconstruir as coisas. Matias teve imprudentes palavras.
Jônatas se referiu a desgostos. Tu estás dizendo o resto. Eu completo assim:
uma ideia louca sobre o meu reino está excitando os bons, mas não ainda os
justos, como Manaém, a criar movimentos capazes de instaurar o Reino de
Israel, segundo a ideia fixa da maior parte. Há uma pungente, ardente
necessidade de vingar-se de uma afronta, que excita outros, entre os quais o
teu esposo para a mesma coisa. Sobre estes dois motivos está se apoiando a
astúcia farisaica, saduceia, escriba e até herodiana, como se usasse dessas
coisas como de uma alavanca, para conseguir desfazer-se de Mim, fazendome aparecer aos olhos dos que nos dominam como Eu não sou. Tu
despediste as romanas para dizer-me isto, não querendo trair Cusa, nem
Manaém, nem os outros. Mas Eu te digo em verdade que entre todos quem
me compreendeu melhor foram os gentios. Eles me chamam de filósofo,
talvez até me julguem um sonhador, alguém que não está com os pés no
chão, um infeliz segundo eles, para os quais tudo se resolve com a
violência. Mas já compreenderam, pelo menos eles, que Eu não sou desta
terra e que o meu Reino não é desta terra. Eles não têm medo de Mim, mas
dos meus seguidores. Eles têm razão. Eles, uns por amor, outros por
orgulho, seriam capazes de fazer qualquer coisa para realizarem a sua ideia:
fazer de Mim o Rei dos reis, o Rei Universal, um pobre rei de um pequeno
estado… Em verdade, Eu preciso guardar-me mais desta insídia, que se está
armando na sombra, instigada pelos meus verdadeiros inimigos que não
vivem no palácio proconsular de Cesareia, nem no do Legado de Antioquia,
nem na Fortaleza Antônia, mas por baixo dos tefilins, das fímbrias e zizits
das vestes hebraicas, especialmente sob os amplos tefilins e zizits[43] colocados nas amplas vestes dos fariseus e escribas, para mostrar a sua mais
ampla adesão à Lei. Mas a Lei está no coração, e não sobre as vestes… Se
estivesse no coração, aqueles que se odeiam, mas que agora se reúnem,
esquecendo-se do ódio para fazerem o mal, o ódio que cava profundos
precipícios entre uma e outra das castas de Israel que agora não está
separado, mas está nivelado, porque os precipícios estão cheios de ódio a
Mim. Se a Lei estivesse no coração deles, não pendurada ou amarrada às
suas vestes, na fronte, na mão, assim como fazem os selvagens, que se
cobrem de amuletos, de conchas, de ossos, de bicos de abutres, por
superstição e como enfeite; se estivesse no coração esta Lei, se a Sabedoria
não estivesse escrita dentro dos tefilins, mas sobre as fibras do coração, eles
compreenderiam quem Eu sou, e que, contra Mim, para destruir-me como
Verbo e como Homem, eles não podem vir. Eu devo, pois, defender-me dos
amigos e dos inimigos injustos, igualmente, em seus ódios, como nos seus
amores. Devo procurar guiar os amores e acalmar os ódios. Eu o faço para
cumprir o meu dever. E o farei até que Eu tenha edificado o meu Reino,
molhando as pedras com o meu Sangue, para que formem uma argamassa.
Quando Eu vos tiver aspergido com o meu Sangue, os vossos corações não
vacilarão mais. Estou falando dos corações que me são fiéis. Do teu, Joana,
que estás na luta contra as duas forças e os dois amores, que estão acima de
ti e em ti: Eu-Cusa.
– Mas Tu vencerás, Senhor.
– Eu vencerei, sim.
– Procura, porém, salvar também Cusa… Ama a quem eu amo.
– Amo a quem te ama…

Jesus faz sinal de que vai falar e todos guardam silêncio.
– Está escrito[44]: “Tu te moveste para salvar o teu povo, para salvá-lo
com o teu Cristo.” Está escrito: “Eu me alegrarei no Senhor e exularei em
Deus meu Jesus.”
O povo de Israel tomou para si esta palavra, deu a ela um significado
nacional, pessoal, egoísta, que não corresponde à verdade sobre a pessoa do
Messias. Deu um significado limitado, que avilta a grandeza da ideia
messiânica, rebaixando à ideia de uma manifestação comum de poder
humano e de violência vitoriosa contra os dominadores encontrados em
Israel por Cristo.
Mas a verdade é diferente. É grande, ilimitada, vem do Deus
verdadeiro, do Criador e Senhor do céu e da terra, do Criador da
humanidade, daquele que, como multiplicou os astros no firmamento e
cobriu de árvores de todas as espécies a terra e a povoou de animais,
colocando peixes nas águas e pássaros no céu, assim multiplicou os filhos
do homem por Ele criado para que fosse o rei da Criação e sua criatura
predileta. Agora, como poderia o Senhor, Pai de todo o gênero humano, ser
injusto para com os seus filhos, para os filhos dos filhos nascidos do
Homem e da Mulher por Ele formados com a matéria, a terra, e com a alma,
o seu hálito divino? E como tratar a estes de modo diferente daqueles, como
se eles não viessem da mesma fonte, como se não viessem dele, mas de
algum outro ser sobrenatural e seu antagonista, como se tivessem sido
criados de outros ramos, portanto fossem uns estrangeiros, uns bastardos,
uns desprezíveis?
O verdadeiro Deus não é um pobre deus deste ou daquele povo, um
ídolo, uma figura irreal. É a sublime Realidade, a Realidade universal, o Ser
único, Supremo, Criador de todas as coisas e de todos os homens… É,
portanto, o Deus de todos os homens. Ele ama, ainda que eles, por não o
conhecerem, não o amam ou, se o conhecem mal e o amam mal, ou
conhecendo-o, não o sabem amar. A paternidade não deixa de existir,
quando um filho é ignorante, é estulto ou malvado. O pai procura instruir o
filho, porque instruí-lo é amor. O pai se sacrifica para tornar menos estulto
o filho deficiente. O pai, com lágrimas, com condescendências, com
castigos salutares, com perdões misericordiosos, procura corrigir o filho
mau e torná-lo bom. Este, o pai-homem. O Pai-Deus ama a todos os
homens e quer que eles se salvem. Ele, que é Rei de um Reino infinito, Rei
eterno, olha para o seu povo, formado por todos os povos espalhados pela
face da Terra, e diz: “Aí está o povo de minhas criaturas, o povo que vai ser
salvo com o meu Cristo. Eis o povo para o qual foi criado o Reino dos
Céus. E eis que chegou a hora de salvá-lo com o Salvador.”
463.3 Quem é o Cristo? Quem é o Salvador? Quem é o Messias? Muitos
são os gregos aqui presentes, muitos também os não gregos e que sabem o
que quer dizer a palavra “Cristo.” Cristo, pois, quer dizer o consagrado, o
que foi ungido com óleo para cumprir a sua missão. Consagrado a quê?
Talvez à pequena glória de um trono? Talvez à glória maior de um
sacerdócio? Não. Consagrado para reunir sob um único cetro, em um só
povo, sob uma única doutrina, a todos os homens para que sejam irmãos
entre si e filhos de um único Pai e que seguem a Lei dele para terem parte
no seu Reino.
Rei, em nome do Pai, que no-lo enviou, o Cristo reina como convém à
sua Natureza, isto é, divinamente, porque de Deus. Deus pôs tudo como
escabelo dos pés de seu Cristo, mas não para que Ele oprima e sim para que
salve. De fato, o seu nome é Jesus, que em língua hebraica quer dizer
Salvador. Quando o Salvador salvar das insídias e da ferida mais violenta,
um monte estará sob os seus pés e uma multidão de todas as raças cobrirá o
monte para simbolizar que Ele reina e se eleva sobre toda a Terra e sobre
todos os povos. Mas o Rei estará nu, sem outra riqueza, a não ser o seu
sacrifício, para simbolizar que Ele não se inclina senão para as coisas do
espírito e que as coisas do espírito se conquistam e se redimem com os
valores do espírito e a heroicidade do sacrifício, não com a violência e o
ouro. Assim será para dar a resposta àqueles que temem, como aqueles que
o odeiam sem outra razão, a não ser o tremor que sentem de serem
despojados daquilo que por eles é querido. A resposta é que Ele é um Rei
espiritual, somente isso, mandado para ensinar aos espíritos a conquistar o
Reino, o único Reino que Eu vim fundar.
Eu não vos dou novas leis. Para os israelitas Eu confirmo a Lei do
Sinai. Aos gentios, Eu digo: a lei para possuir o Reino nada mais é do que a
lei da virtude que toda criatura de moral elevada a si mesma se impõee que
pela fé no verdadeiro Deus, se transforma de lei moral e de virtude humana
em lei de moral sobre-humana.
463.4 Ó gentios! Vós gostais de proclamar deuses os grandes homens de
vossas nações e os colocais nas fileiras dos numerosos e irreais deuses com
que povoais o Olimpo que criastes para vós, a fim de terdes alguma coisa,
em que crerdes, por que a religião, uma religião é necessária ao homem,
assim como é necessária uma fé, sendo a fé o estado permanente do
homem, e a incredulidade uma anomalia acidental. Nem sempre esses
homens elevados à divindade valem, nem mesmo como simples homens,
sendo grandes às vezes por sua força bruta, outras vezes por sua astúcia
poderosa, outras ainda, pelo poder que de algum modo adquiriram. E assim
sendo, eles levam consigo, como dotes de super-homens, as misérias que o
homem sábio valoriza por aquilo que elas valem: podridão de paixões
desenfreadas.
Que eu esteja dizendo a verdade, mostra-o o fato de que no vosso
Olimpo quimérico, vós não soubestes colocar nem um só daqueles grandes
espíritos que souberam intuir o Ser supremo, e foram agentes intermediários
entre o homem animal e a Divindade que eles instintivamente perceberam,
com seu espírito meditativo e virtuoso. Do espírito do filósofo que
raciocina, do verdadeiramente grande filósofo para o do verdadeiro crente,
que adora o verdadeiro Deus, o passo é curto, enquanto que do espírito do
crente para o eu do astuto, do prepotente ou do materialmente herói, há um
abismo. Contudo, não foram colocados por vós aqueles que pela virtude de
sua vida se elevaram tanto acima da massa humana até se aproximarem dos
reinos do espírito, mas o foram aqueles que vós temestes como patrões
cruéis, ou que quisestes adular por servilismo de escravos, ou então
admirastes como modelos vivos daquelas liberdades de instintos animais,
que aos vossos apetites anormais parecem um escopo e uma meta de vida. E
tendes invejado aqueles que foram descritos na lista dos deuses,
desprezando aqueles que mais se aproximaram da divindade pela prática e a
doutrina ensinadas e vividas em um vida virtuosa.
Agora, em verdade, eu vou dar-vos o modo de tornar-vos deuses[45] .
Aquele que fizer o que Eu digo e crer no que ensino, esse subirá para o
verdadeiro Olimpo, e será deus, deus filho de Deus, em um Céu onde não
existe corrupção nenhuma, e onde o Amor é a única Lei. Em um Céu onde
nos amamos espiritualmente, sem obtusidade e sem as insídias dos sentidos,
a fazerem os habitantes de lá, inimigos uns dos outros, como acontece nas
vossas religiões. Eu não venho pedir atos rumorosamente heróicos. Venho
para dizer-vos: Vivei como criaturas dotadas de alma e razão, não como
animais. Vivei de modo que mereçais viver, viver realmente, com a parte
imortal de vós, no Reino daquele que vos criou.
463.5Eu sou a Vida. Venho para ensinar-vos o caminho para irdes para a
vida. Venho dar a vida por vós todos, e a dá-la, para dar-vos a ressurreição
da vossa morte, do vosso sepulcro de pecado e idolatria. Eu sou a
Misericórdia. Venho chamar-vos, reunir-vos todos. Eu sou o Cristo
Salvador. O meu Reino não é deste mundo. Contudo, a quem crer em Mim
e na minha palavra, nasce-lhe no coração um reino que está preparado
desde o princípio do mundo, é o Reino de Deus, o Reino de Deus em vós.
De Mim foi escrito[46] que Eu sou Aquele que estabelecerá a justiça
entre as nações. É verdade, porque se os cidadãos de cada nação fizessem o
que Eu ensino, os ódios, as guerras, as violências teriam fim. Está escrito de
Mim que Eu não levantarei a voz para maldizer aos pecadores, nem a mão
para destruir os que são como umas canas fendidas, ou umas torcidas que já
estão soltando fumaça por sua maneira indecorosa de viver. É verdade. Eu
sou o Salvador, venho para robustecer aos que estão feridos, para dar o
combustível àqueles cuja lâmpada estiver fumacenta por falta do que é
necessário. Foi dito de Mim que Eu sou Aquele que abre os olhos aos cegos
e tira do cárcere os prisioneiros, levando à luz os que estavam nas trevas do
cárcere. É verdade. Os cegos mais cegos são aqueles que nem com a vista
da alma veem a Luz, isto é, o verdadeiro Deus. Eu venho como Luz do
mundo para que vejam. Os prisioneiros mais prisioneiros são aqueles que
têm por correntes as suas paixões más.Qualquer outra corrente se torna
inútil se o prisioneiro morrer. Mas as correntes dos vícios duram e
acorrentam até além da morte da carne. Eu venho para despedaçá-las. Eu
venho para tirar das trevas do cárcere subterrâneo da ignorância de Deus
todos aqueles que o paganismo sufoca sob a acumulação de suas idolatrias.
463.6 Vinde à Luz e à Salvação. Vinde a mim, porque o meu Reino é
verdadeiro e a minha Lei é boa. Não se vos pede senão que ameis o único
Deus e ao vosso próximo e por isso, que repudieis os ídolos e as paixões
que vos endurecem os corações áridos, sensuais, ladrões e homicidas. O
mundo diz[47]: “Oprimamos o pobre, o fraco, o que está só.
Que seja a força o nosso direito, a dureza o nosso hábito, a
intransigência, o ódio, a ferocidade, as nossas armas. O justo, como não
reage, seja conculcado, oprimidos sejam a viúva e o órfão, que têm uma voz
fraca.” Eu digo: sede doces e mansos, perdoai aos inimigos, socorrei aos
fracos, sede justos no vender e no adquirir e até no direito sede
magnânimos, não aproveitando-vos do vosso poder para oprimir os outros.
Sede moderados em todas as vossas tendências, pois a temperança é prova
de força moral, enquanto que a concupiscência é prova de fraqueza. Sede
homens e não animais, não temais que estejais decaídos demais, a ponto de
não poderdes levantar-vos de novo.
Em verdade Eu vos digo que, assim como uma lama pode virar água
pura, evaporada pelo sol, purificando-se ao deixar-se esquentar, e elevar-se
ao céu para tornar a cair, em forma de chuva ou de orvalho, livre de
impurezas e sadia, com a condição de que saiba deixar-se golpear pelo sol,
assim também os espíritos que se aproximarem da grande Luz que é Deus,
gritarem a Ele: “Eu pequei, sou uma lama, mas desejo a Ti, que és Luz”,
tornar-se-ão espíritos que sobem purificados para o seu Criador. Tirai da
morte o horror que ela causa, fazendo de vossa vida uma moeda para
adquirir a Vida. Despojai-vos do passado como de uma veste suja, e revestivos de virtude. Eu sou a Palavra de Deus e em seu Nome vos digo que
quem tiver fé nele e boa vontade, quem tiver arrependimento do passado e
um propósito reto para o futuro, seja ele hebreu ou gentio, tornar-se-á filho
de Deus e possuidor do Reino dos Céus.
Eu vos disse no princípio: “Quem é o Messias?” E agora Eu vos digo:
“Sou Eu que vos estou falando, e o meu reino está em vossos corações, se o
acolherdes, e depois estará no céu que Eu abrirei para vós, se souberdes
perseverar na minha Doutrina. Isto é o Messias, e nada mais. Rei de um
Reino espiritual, do qual com o seu sacrifício abrirá as portas para todos os
homens de boa vontade.
463.7 Jesus terminou de falar e procura ir para uma escadinha que do
dique leva para a margem. Talvez Ele queira alcançar a barca de Pedro que
está balançando perto de um desembarcadouro rudimentar

464. Na casa de campo de Cusa, a tentativa
de eleger Jesus rei. O testemunho do Predileto.
30 de julho de 1946.
464.1 No outro lado do rio, perto da passagem pela ponte, já está a espera
um carro coberto.
– Sobe, Mestre. Não ficarás cansado, por mais longa que seja a
viagem? Não digo pelo comprimento do caminho, pois eu dei ordens para
que estejam sempre preparadas várias juntas de bois, a fim de não dar
pretextos aos hóspedes mais observantes da Lei… Tenhamos compaixão
deles…
– Mas, onde estão eles?
– Já foram à nossa frente em outros carros. Tobiazinho?
– Patrão? –diz o guia que está encangando os bois.
– Os outros hóspedes, onde estão?
– Oh! Já estão muito à frente. Já devem estar chegando à casa.
– Estás ouvindo, Mestre?
– Oh! Nós tínhamos certeza deque terias vindo. Por que não terias de
vir?
– Porque! Cusa, Eu vim para mostrar-te que Eu não falto à palavra.
Somente faltam à palavra os vilões, os que têm culpas e por isso estão com
medo da justiça… A justiça dos homens infelizmente é assim. Eles
deveriam ter medo da primeira, da única, daquela de Deus. Mas Eu não
tenho culpas, nem tenho medo dos homens.
– Mas, Senhor! Os que estão comigo todos te veneram! Como também
eu. E não devemos te causar medo, por motivo algum! Nós queremos
prestar-te uma homenagem, mas não insultar-te!
Cusa está entristecido, e quase indignado.
Jesus, sentado à frente dele, enquanto o carro vai rodando lentamente,
chiando por entre os verdes campos, responde:
– Mais do que a guerra declarada dos inimigos, Eu devo temer a guerra
traiçoeira dos falsos amigos e também a dedicação injusta de amigos que
são verdadeiros, mas que ainda não Me compreenderam. E tu és um deles.
Não te lembras daquilo que Eu te disse[48] em Beter?
– Eu já te compreendi, Senhor –murmura Cusa, mas não muito seguro,
e sem responder diretamente à pergunta.
– Sim. Tu me compreendeste. Sob a rajada do vento da dor e da alegria,
o teu coração se tinha tornado puro, do mesmo modo como depois de um
temporal, que termina com um arco-íris e o horizonte fica claro. Tu estavas
enxergando bem. Depois… Volta-te, Cusa, e olha para o nosso Mar da
Galileia. Durante a noite, as orvalhadas haviam purificado a atmosfera, e o
frescor da noite tinha acalmado a evaporação das águas. O céu e o lago
estavam como dois espelhos de safira clara que refletiam, cada um deles,
suas belezas, e as colinas, ao redor, estavam frescas e limpas, como se Deus
as tivesse criado naquela noite. Mas, olha agora. A poeira das estradas da
costa, levantada pelos homens e pelos animais, o ardor do sol, que faz com
que se levantem nevoeiros dos bosques e dos jardins, como se fossem umas
chaleiras sobre um fogão, incendeia o lago, fazendo que suas águas se
evaporem. Olha como tudo is-so perturbou o horizonte. Antes, as margens
pareciam estar mais perto, bem visíveis, devido à grande claridade do ar.
Mas agora, olha só… Elas parecem estar meio encobertas, indistintas, como
certas coisas que vemos por debaixo de um véu de água suja. Foi assim que
aconteceu contigo. Primeiramente, veio a poeira: a natureza humana.
Depois o sol: o orgulho. Cusa, não fiques perturbando-te…
Cusa inclina a cabeça, fica brincando distraidamente com os adornos de
sua veste e com a fivela do seu rico cinto, do qual está pendente a espada.
Jesus fica calado, com os olhos fechados, como se estivesse com sono.
Cusa respeita o descanso dele, ou o que ele acha que é um descanso.
464.2 O carro vai indo devagar, rumo ao sudeste, para o lado das leves
ondulações do terreno, que são, ou pelo menos me parecem ser o primeiro
degrau do altiplano, que é o limite do vale do Jordão, deste lado oriental.
Certamente pela abundância das águas subterrâneas ou de alguma corrente,
os campos por aqui são muito férteis e belos. Cachos e frutas se deixam ver
em todas as copas.
O carro se desvia para uma estrada particular, deixando a estrada
mestra, vai penetrando por sob a cobertura bem ramosa de uma alameda,
por onde há muita sombra e frescor, pelo menos em comparação com a
fornalha que é a estrada ensolarada. Uma casa baixa, branca, de nobre
apresentação, está no fundo da alameda. Outras casinhas mais humildes
estão espalhadas por aqui e por ali pelos campos e vinhedos. O carro passa
por cima de uma pequena ponte, que é o limite, além do qual o pomar se
transforma em um jardim, com a alameda coberta de cascalho. Com o
barulho diferente produzido pelas rodas sobre as pedrinhas, Jesus abre os
olhos.
– Já estamos chegando, Mestre. Aí estão os convidados que já
perceberam nossa chegada e já vem se aproximando –diz Cusa.
E, de fato, são muitos, todos da classe rica, que se aglomeram na
entrada da alameda, e, com pomposas inclinações, saúdam ao Mestre que
chega. Eu estou vendo e reconhecendo Manaém, Timoneu, Eleazar, e me
parece estar vendo outros, que para mim não são novos, mas dos quais não
sei dizer os nomes. E, além desses, muitos outros que eu nunca vi, nem
mesmo em particular. Muitos deles trazem espadas, outros ostentam, em
lugar das espadas, uma grande quantidade de ornatos: uns são fariseus,
outros sacerdotes e rabis. O carro para e Jesus desce primeiro, saudando a
todos com uma inclinação. Os discípulos Manaém e Timoneu dão um passo
à frente para fazerem a Jesus uma saudação particular. Depois é Eleazar que
vai para a frente (é aquele fariseu do banquete na casa do Ismael), e com ele
abrem alas os dois escribas que fazem questão de ficarem conhecidos. Um
deles é aquele que em Tariqueia viu ficar curado o seu filhinho no dia da
primeira multiplicação dos pães, e o outro é aquele que, aos pés do monte
das bem-aventuranças, deu comida a todos. E ainda mais um, um que que
abre alas para passar: é aquele fariseu que, na casa do José, no tempo da
colheita, foi instruído por Jesus sobre a verdadeira causa do seu injusto
ciúme.
Cusa passa a fazer as apresentações, e eu quero poupar a todos o
desprazer de ouvi-las, porque perde-se a lembrança entre os muitos Simões,
Joãos, Levis, Eleazares, Natanaéis, Josés, Filipes, etc. etc.; saduceus,
escribas, sacerdotes, herodianos na maior parte, e até devo dizer que estes
últimos são em maior número, um ou outro prosélito ou fariseu, dois
sinedritas e quatro sinagogos e, perdido não sei como aqui dentro, até um
essênio.
Jesus faz uma inclinação a cada nome pronunciado, fixando um
penetrante olhar em cada rosto, e às vezes, esboçando um leve sorriso,
como quando alguns deles, para tornarem mais claras suas identidades, o
fazem lembrar de algum fato que os pôs em relacionamento com Jesus.
Assim, por exemplo, aconteceu com um certo Joaquim de Bozra, que
diz:
– Minha mulher Maria foi curada por Ti da lepra. Bendito sejas Tu.
E o essênio também diz:
– Eu te ouvi, quando falaste perto de Jericó e um dos nossos irmãos
deixou as margens do Mar Salgado para seguir-te. E tive ainda notícias de
Ti, quando do milagre sobre o Eliseu de Engadi. Naquelas terras nós
também Te estávamos esperando.
O que eles esperavam, eu não sei. Só sei que, ao dizer isso, aquele
homem ficou olhando, com um certo ar de superioridade, um pouco
exagerado para os outros que certamente não tinham rostos de místicos,
mas, em sua maior parte, parecem estar usufruindo, muito alegres, do bemestar que a posição lhes proporciona.
464.3Cusa afasta o seu Hóspede daquelas cerimônias das saudações, o
leva para um cômodo compartimento onde podem lavar-se, e lá o deixa
para as abluções de costume, que, com o calor que está fazendo, devem ter
sido bem recebidas. Volta para os seus convidados com os quais conversa
demoradamente, até quase que começam uma discussão, porque os
presentes são de pareceres diferentes. Alguns querem entabular logo a
conversa sobre os seus assuntos… Que assuntos? Outros, ao contrário,
propõem que não se comece invectivando logo o Mestre, mas que se
procure persuadi-lo pois eles lhe querem tributar um profundo respeito.
Quem vence é este último grupo, que é o mais numeroso. Cusa, como dono
da casa, chama os seus servos para prepararem um banquete, que deve estar
pronto lá pela tarde, deixando assim o tempo para Jesus, “que está cansado,
como se pode ver, de tanto ficar parado.” Todos aceitam esse parecer, a tal
ponto, que, quando Jesus torna a aparecer, os convidados o saúdam, se
afastam com grandes inclinações, deixando-o sozinho com Cusa, que o leva
para um salão sombreado, onde há uma cama baixa, forrado com ricos
tapetes.
Mas Jesus ficou lá somente até depois de ter entregue a um servo as
sandálias e as vestes, para que ele sacudisse delas a poeira e alisasse os
amarrotamentos provenientes das peregrinações do dia anterior. Ele não tem
dormido. Sentado, então, à beira da pequena cama, com os pés descalços
sobre uma esteira no pavimento, vestido com a túnica curta e a capa íntima,
que lhe cobre o corpo até os cotovelos e os joelhos, está preocupado em
profundos pensamentos. E, se o seu vestuário, que ficou tão reduzido, faz
que Ele pareça mais jovem, pela perfeita e esplêndida harmonia do traje
com seu corpo viril, a profundidade do seu pensamento, que certamente não
é alegre, faz que lhe apareçam no rosto umas rugas, e o torna meio sombrio,
com uma dolorosa expressão de cansaço, que o faz parecer ter mais idade
do que a que tem.
Na casa não há nenhum barulho, nem nos campos, onde os cachos vão
ficando maduros com este forte calor. Os toldos escuros, descidos diante
das portas e das janelas, não têm o menor movimento.
464.4E assim passam as horas… A penumbra vai crescendo com o descer
do sol. Mas o calor ainda continua. E continua a meditação de Jesus. Enfim,
a casa dá sinais de ter despertado. Ouvem-se vozes, o ruído dos que já
acordaram e as ordens que estão sendo dadas.
Cusa move lentamente o toldo, para poder ver sem incomodar.
– Entra! Eu não estou dormindo –diz Jesus.
Cusa entra. Ele já está com sua veste ornada para o banquete. Olha
depois e vê que a pequena cama não dá sinais de ter acolhido um corpo.
– Tu não dormiste? Por quê? Estás cansado…
– Eu descansei no silêncio e na sombra. Para Mim, basta.
– Vou mandar vir uma veste para Ti…
– Não. A minha certamente já está enxuta. Eu gosto mais dela. O que
Eu te peço é que tomes providências para que Eu tenha o carro e a barca a
minha disposição.
– Como quiseres, Senhor… Eu gostaria de deter-te até amanhã cedo.
– Não posso. Eu preciso ir…
Cusa faz uma inclinação e sai. Ouve-se um grande falatório.
Passa ainda muito tempo. O servo está de volta com a veste de linho
lavada e fresca, com um bom cheiro de sol, com as sandálias já limpas da
poeira e amaciadas com óleo ou com a graxa, que as torna brilhantes e
flexíveis. Um outro servo vem atrás dele, levando uma bacia, uma ânfora e
um pano para enxugar as mãos, e põe tudo sobre uma mesa baixa. Depois
eles saem…
464.5 Jesus se reúne aos convidados no átrio que divide a casa de norte a
sul, criando um espaço ventilado e agradável, com muitas cadeiras, todo
adornado com toldos leves e de várias cores que, sem criar obstáculos à
entrada do ar, ainda amenizam a luz. Agora eles estão puxados para um
lado, deixando ver-se a cornija verde que circunda a casa.
Jesus está numa postura magnífica. Ainda que não tenha dormido,
parece ter-se provido de forças, e os seus passos majestosos são os de um
rei. O linho de sua veste, que Ele acabou de colocar, é alvíssimo, e seus
cabelos, tornados brilhantes pelo banho da manhã, também resplendem
suavemente, como um adorno de cor dourada, aos lados de seu rosto.
– Vem, Mestre. Nós estamos esperando somente a Ti –diz Cusa, e o
introduz, em primeiro lugar, na sala onde estão as mesas.
Assentam-se, depois de terem feito a oração e mais uma ablução das
mãos, e começam a refeição, muito pomposa como sempre, mas silenciosa
a princípio. Mas depois o gelo se quebra.
Jesus está perto de Cusa e Manaém está do outro lado, tendo por
companheiro Timoneu. Os outros vão sendo colocados pelo Cusa, por sua
experiência como cortesão, aos lados da mesa, que tem a forma de um U.
Somente o essênio é que se recusou obstinadamente a ir tomar parte no
banquete e a ir sentar-se à mesacom os outros. Somente quando um dos
servos, por ordem de Cusa, lhe oferece um pequeno cesto cheio de frutas, é
que ele aceita ir sentar-se diante de uma mesa baixa, depois de não sei
quantas abluções, e depois de ter arregaçado as compridas mangas de sua
veste alva, pelo temor de manchá-las, ou por aquilo fazer parte do rito… eu
não sei.
É um banquete estranho, no qual todos agem mais por meio dos olhares
do que por palavras. Ouvem-se apenas algumas frases curtas de cortesia e
ficam estudando um ao outro, isto é, Jesus estuda os presentes, e esses O
estudam.
464.6 Finalmente Cusa faz sinal aos servos para que se retirem, depois de
terem posto sobre as mesas grandes bandejas com frutas bem frescas que
talvez tenham sido conservadas no poço, muito bonitas, e eu diria que é
como se estivessem geladas, pois estão mostrando aquele aspecto
característico das frutas tiradas de uma geladeira. Os servos saem, depois de
terem acendido as lâmpadas, que, por enquanto, são inúteis, visto que ainda
está de dia e o dia continua bem cheio de luz, durante todo o demorado pôr
do sol do verão.
– Mestre –começa Cusa–, Tu deves ter perguntado a Ti mesmo qual a
causa desta nossa reunião e deste nosso silêncio. Mas o que nós temos a
dizer-te é muito grave, e os ouvidos dos imprudentes não o devem ouvir.
Agora estamos sós e podemos falar. Tu o estás vendo. Há em todos os
presentes o maior respeito para contigo. Estás entre os homens que Te
veneram como Homem e como o Messias. A tua justiça, a tua sabedoria, os
dons com os quais Deus te agraciou são conhecidos e admirados por nós.
Para nós, Tu és o Messias de Israel. Messias no sentido espiritual e no
sentido político. És o Esperado, que porá um fim à dor e ao aviltamento de
um povo inteiro. E não somente deste povo encerrado dentro dos limites de
Israel, ou melhor, da Palestina, mas do Povo de todo Israel, das milhares e
milhares de colônias da Diáspora espalhadas por toda a terra e que fazem
ecoar o nome de Javé sob todos os céus para que sejam conhecidas as
promessas e as esperanças que agora estão se cumprindo, de um Messias
restaurador, de um Libertador e Criador da verdadeira independência da
Pátria e de Israel, isto é, da maior das Pátrias que podem existir no mundo,
a Pátria rainha e dominadora, canceladora de toda lembrança do passado e
de todo sinal vivo de servidão, o Hebraísmo triunfante sobretudo e sobre
todos e para sempre, porque assim foi dito e assim se cumpre. Senhor, aqui,
diante de Ti tens todo Israel, nós representantes das diversas classes deste
povo eterno, castigado, mas bem amado pelo Altíssimo, que o proclama
“seu”. Tens contigo o coração que pulsa, o coração sadio de Israel com os
membros do Sinédrio e os sacerdotes; tens o poder e a santidade com os
fariseus e os saduceus; tens a sabedoria com os escribas e os rabis; tens a
política e a coragem com os herodianos; tens as rendas com os ricos; tens o
povo com os mercadores e possessores; tens a Diáspora com os prosélitos e
tens até os separados, que agora estão querendo reunir-se, porque estão
vendo em Ti o Esperado: os essênios, os desunidos essênios. Olha, ó
Senhor, para este primeiro prodígio, este grande sinal da tua missão, da tua
verdade. Tu, sem violência, sem teres meios, sem ministros, sem milícias,
sem espadas, reúnes todo o teu povo, assim como um reservatório reúne as
águas de mil nascentes. Tu, quase sem dizeres nada, completamente sem
imposições, nos reúnes, um povo dividido pelas desventuras, pelos ódios,
pelas ideias políticas e religiosas, e nos pacifica. Ó Príncipe da Paz, alegrate por teres redimido e restaurado, mesmo antes de teres recebido o cetro e a
coroa. O teu Reino de Israel já começou. As nossas riquezas, as nossas
forças, as nossas espadas estão a teus pés. Fala! Dá ordens! A hora chegou.
464.7Todos aprovam o discurso de Cusa. Jesus, com os braços cruzados
sobre o peito, fica calado.
– Não dizes nada? Não respondes, ó Senhor? Talvez o assunto te tenha
espantado… Talvez te sintas despreparado, tenhas dúvidas sobretudo se
Israel está preparado… Mas não o está. Escuta as nossas vozes. Eu falo, e
comigo fala Manaém, a favor de um Palácio Real. O que aí está não merece
mais existir. Ele é a vergonha malcheirosa de Israel. É a tirania desonrosa,
que oprime um povo e se inclina servilmente para adular a um usurpador.
Mas a hora dele chegou. Ergue-te, ó Estrela de Jacó, espanta as trevas
daquele coro de delitos e vergonhas. Aqui estão aqueles que, chamados
herodianos, são os inimigos dos que profanam esse nome para eles sagrado
de herodianos. Falai, vós.
– Mestre. Eu estou velho, e me lembro do que era o esplendor daquele
tempo. Assim como o nome de um herói foi posto em uma carniça
fedorenta, assim também o nome de Herodes foi transmitido aos
degenerados descendentes que desprezam o nosso povo. É hora de repetir o
gesto, muitas vezes feito em favor de Israel, quando alguns indignos
monarcas assentavam-se sobre as dores do povo. E somente Tu és digno de
fazer esse gesto.
Jesus permanece calado.
– Mestre, achas que ainda possamos duvidar? Temos andado
escrutando as Escrituras. Tu és o Esperado. Tu deves reinar –diz um
escriba.
– Tu deves ser Rei e Sacerdote. Como um novo Neemias, e maior
do que ele[49] , deves vir e purificar. O altar foi profanado. Que o zelo do
Altíssimo te estimule –diz um sacerdote.
– Muitos de nós te têm combatido. São aqueles que têm medo do teu
reinar sábio,mas o povo está contigo, os melhores de nós estamos com o
povo. Precisamos de um sábio.
– Precisamos de um puro.
– De um verdadeiro rei é que precisamos.
– De um santo.
– De um Redentor. Estamos sendo sempre escravos de tudo e de todos.
Defende-nos, Senhor!
– No mundo somos pisados, porque, não obstante o nosso número e a
nossa riqueza, somos como umas ovelhas sem pastor. Manda dar o toque de
chamada, junto com o velho grito: “Para as tuas tendas, ó Israel”, e de todos
os pontos da Diáspora, como uma multidão, levantar-se-ão os teus súditos,
para fazerem soçobrar os vacilantes tronos desses poderosos, que não são
amados por Deus.
Jesus continua calado. É o único que ainda está sentado, calmo, como
se não se estivesse tratando dele, no meio de uns quarenta muito agitados,
dos quais eu recolhi apenas um décimo dos motivos pelos quais falam todos
juntos em uma confusão como nas feiras, enquanto Ele conserva sua
postura e seu silêncio.
Todos gritam:
– Dize uma palavra! Responde!
Jesus põe-se de pé lentamente, apoiando com firmeza as mãos na beira
da mesa. Faz-se um profundo silêncio. Queimado pelo fogo de oitenta
pupilas, Ele abre os lábios, e os outros também abrem os seus, como para
aspirar a resposta dele. E a resposta é breve e clara:
– Não.
– Mas, como? Mas, por quê? Tu nos estás traindo? Estás traindo o teu
povo? Renegas, então, a missão de Rei? Rejeitas a ordem de Deus!…
É uma grande vozearia. Um tumulto! Rostos que ficam vermelhos,
olhos que soltam chispas, mãos que estão quase ameaçando… Mais do que
fiéis, eles parecem ser uns inimigos. Mas é assim mesmo, quando os
mansos viram umas feras para os que estão contra as ideias deles.
464.8Àquele grande tumulto sucede um estranho silêncio. Parece que,
tendo exaurido todas as suas forças, eles se sintam extenuados. Olham-se
uns aos outros, desolados… e alguns estão inquietos…
Jesus corre o olhar ao redor de Si e diz:
– Eu sabia que era para isso que me queríeis aqui. E sabia da inutilidade
dos passos que estáveis dando. Cusa pode dizer o que falei a ele em
Tariqueia. Eu vim para mostrar-vos que não tenho medo de nenhuma cilada,
porque ainda não chegou a hora. E não a temerei, quando a hora da cilada já
estiver sobre Mim, porque foi para isso que Eu vim. Vim para persuadirvos.
Vós, não todos, mas muitos dentre vós, estão de boa fé. Eu devo
corrigir o erro, no qual de boa fé caístes. Estais vendo? Eu não vos censuro.
Não censuro a ninguém, nem mesmo àqueles que, por serem meus
discípulos fiéis, deveriam saber com justiça e regular suas próprias paixões
com justiça.
Não te estou censurando, ó justo Timoneu. Mas Eu te digo que, no
fundo, em vez do teu amor que Me quer honrar, é ainda o teu eu que se
agita e sonha com tempos melhores, nos quais possas ver feridos aqueles
que te feriram.
Eu não censuro a ti, Manaém, ainda que mostres ter-te esquecido da
sabedoria e do exemplo, todos espirituais, que recebes-tes de Mim e do
Batista, antes de Mim. Mas Eu te digo que também em ti existe uma raiz de
humanidade, que se levanta depois do incêndio do amor por Mim.
Eu não te censuro, Eleazar, homem tão justo com a velha que te foi
deixada, sempre justo, mas que agora não és justo.
Eu não te censuro, ó Cusa, ainda que o devesse fazer, porque em ti,
mais do que em todos aqueles que me quereis por rei, em sua boa fé, está
vivo o teu eu. Rei, sim, tu me queres. Não há cilada em tuas palavras. Tu
não vens para pegar-me em falta, nem para denunciar-me ao Sinédrio, ao
Rei, a Roma. Mas, mais do que o amor, tu achas que tudo é amor, mas não
é; mais do que pelo amor, tu trabalhas para vingar-te das ofensas que o Paço
Real te houver feito. Eu sou teu convidado. Deveria silenciar sobre a
verdade dos teus sentimentos. Mas Eu sou a Verdade em tudo, em todas as
coisas. E falo. Para o teu bem. A mesma coisa digo de ti, Joaquim de Bozra,
e de ti, escriba João. E de ti também, e de ti, e de ti.
E vai mostrando este, aquele, aquele outro, sem rancor, mas com
tristeza… e depois continua:
– Eu não vos censuro. Porque não sois vós que quereis isso,
espontaneamente. É a insídia, é o Adversário que trabalha, e vós… Vós
sois, sem o saberdes, uns súcubos em suas mãos. Até o amor, o vosso amor,
ó Timoneu, ó Manaém, ó Joaquim, ó vós que realmente me amais, até da
vossa veneração, ó vós que em mim julgais ter encontrado o Rabi perfeito,
até disso ele, o Maldito, se serve para fazer o mal. Mas Eu vos digo, como
aos que não pensam como vós, mas têm suas vistas voltadas para o que
desce sempre mais para baixo até chegarem às traições e delitos, e
gostariam que Eu aceitasse ser rei, Eu lhes digo: “Não. O meu reino não é
deste mundo. Vinde a Mim para que Eu instaure o meu Reino em vós, e não
para outra coisa.” 464.9E agora deixai-me ir.
– Não, Senhor. Nós estamos decididos. Nós já pusemos em movimento
as nossas riquezas, já preparamos os planos, decidimos sair desta incerteza
que deixa Israel inquieto, e da qual se aproveitam os outros para prejudicar
Israel. Tu vives cercado de ciladas. É verdade. Tens inimigos até no próprio
Templo. E eu, um dos Anciãos, não o nego. Para pôr fim a isso, o remédio é
este: a tua unção. Nós estamos prontos para a dar a ti. Não é a primeira vez
que em Israel alguém é proclamado rei assim, para pôr um fim às desgraças
nacionais e às discórdias. Aqui está quem, em Nome de Deus, pode fazê-lo.
Deixa-nos agir –diz um dos sacerdotes.
– Não. Não vos é lícito. Não tendes autoridade para isso.
– O Sumo Sacerdote é o primeiro a querer isso, ainda que ele não esteja
aqui presente. Ele não pode mais admitir o estado atual de dominação
romana e dos escândalos do rei.
– Não mintas, sacerdote. Sobre os teus lábios a blasfêmia é duplamente
impura. Talvez tu não saibas, e estejas enganado. Mas no Templo não é isso
que se quer.
– Crês, então, que nossa afirmação é uma mentira?
– Sim. Se não de todos vós, mas de muitos de vós. Não mintais. Eu sou
a Luz, ilumino os corações…
– Em nós se pode crer –gritam os herodianos–. Nós não amamos ao
Herodes Antipas, nem a nenhum outro.
– Não. Vós amais somente a vós mesmos. É verdade. E não podeis me
amar. Eu faria de vós uma alavanca para derrubar o trono, a fim de abrir-vos
caminho para um poder ainda mais poderoso, para agravar o povo com uma
opressão pior ainda. Seria um engano feito a Mim, ao povo e a vós mesmos.
Roma esmagaria tudo, depois que já vos tivesse esmagado a todos.
– Senhor, entre as colônias da Diáspora há homens prontos para uma
insurreição… e as nossas posses são para isso –dizem os prosélitos.
– As minhas também, e todo apoio da Auranítide e da Traconítide –
grita aquele de Bozra–. Eu sei o que estou dizendo. Os nossos montes
podem sustentar um exército e, se não houver insídias, poderá sustentá-lo
depois, como um bando de águias a teu serviço.
– A Pereia também.
– Também a Gaulanítide.
– O Vale do Gabás está contigo!
– E contigo estão as margens do Mar Salgado, com os nômades que nos
acham uns deuses, se Tu consentires em unir-te a nós –grita o essênio e
prosegue com um discurso exaltado que se perde no clamor.
– Os montanheses da Judeia são da raça dos reis fortes.
– E os da Galileia são da têmpera de Débora. Até as mulheres, até os
meninos são heróis!
– Achas que somos poucos? Somos fileiras e mais fileiras. O povo está
todo contigo. Tu és o rei da estirpe de Davi, o Messias! Este é o grito que
está sobre os lábios de sábios e de ignorantes, porque este é o grito dos
corações. Os teus milagres… as tuas palavras… Os prodígios.
É uma confusão que eu não consigo acompanhar. Jesus, como uma
rocha bem firme no centro de um turbilhão, não se move, nem reage. Está
impassível. Mas o alvoroço ao redor dele, dos que fazem pedidos e
imposições, dos que declaram suas razões, continua.
– Tu nos decepcionas. Por que é que queres a nossa ruína? Queres agir
sozinho? Não o podes. Matatias Macabeu não recusou a ajuda dos
Assideus, Judas livrou Israel com a ajuda deles… Aceita!
De vez em quando os gritos se unem para dizerem esta palavra. Mas
Jesus não cede.
464.10 Um dos anciãos, já de bastante idade, está conversando com um
sacerdote e um escriba mais velhos do que ele. Eles vão para a frente.
Impõem silêncio. Fala o velho escriba, que chamou para ajudá-lo também o
Eleazar e os dois escribas Joãos:
– Senhor, por que não queres cingir a coroa de Israel?
– Por que não é minha. Eu não sou filho de príncipe hebreu.
– Senhor, talvez Tu não o saibas. Eu, com este aqui e este outro fomos
chamados um dia, porque três sábios vieram perguntar-nos onde estava
aquele que tinha nascido para ser o rei dos hebreus. Compreendes?
“Nascido para ser rei.” Nós fomos todos juntos, os príncipes dos sacerdotes,
e os escribas do povo até o Palácio de Herodes, o Grande, para darmos a
resposta. Conosco estava Hilel, o Justo. Nossa resposta foi esta: “Em Belém
de Judá.” Tu, conforme nos consta, lá nasceste, e grandes milagres
acompanharam o teu nascimento. Entre os teus discípulos há testemunhas
dele. Podes Tu negar que foste adorado como Rei pelos três Sábios?
– Eu não nego.
– Podes negar que o milagre te precede, e te acompanha, e te segue
como sinal do Céu?
– Não nego.
– Podes negar ser o Messias prometido?
– Não nego.
– Então, em Nome do Deus vivo, por que queres decepcionar as
esperanças do povo?
– Eu venho para cumprir as esperanças de Deus.
– E quais são elas?
– São as da Redenção do mundo, da formação do Reino de Deus. O
meu Reino não é deste mundo. Guardai vossas posses e dai descanso às
armas. Abri vossos olhos e o vosso espírito para lerdes as Escrituras e os
Profetas, para acolherdes a minha Verdade, e tereis o Reino de Deus em
vós.
– Não. As Escrituras falam de um rei libertador.
– Libertador da escravidão satânica, do pecado, do erro, da carne, do
gentilismo, da idolatria. 464.11Oh! Que foi que vos fez Satanás, ó hebreus, ó
povo sábio, a ponto de fazer-vos cair em erro sobre as verdades proféticas?
Que vos faz, ó meus discípulos, chegardes ao ponto de não vos
compreenderdes mais? A maior desventura de um povo e de quem tem fé é
a de cair na falsa interpretação dos sinais. Aqui se está cumprindo essa
desventura. Interesses pessoais, preconceitos, exaltações, falta de amor à
Pátria, tudo serve para criar o abismo… O abismo do erro no qual um povo
perecerá por desconhecer o seu Rei.
– Tu te desconheces?
– Vós vos desconheceis e me desconheceis. Eu não sou um rei humano.
E vós… Vós, três quartos de vós, aqui reunidos, o sabeis, e quereis o meu
mal, não o meu bem. Agis por ódio, não por amor. Eu vos perdoo. Digo aos
retos de coração: “Volvei a vós mesmos, não sejais os servos inconscientes
do mal.” Deixai-me ir. Não há mais nada a dizer.
Faz-se um silêncio de quem está pasmado…
Eleazar diz:
– Eu não sou teu inimigo. Pensava estar fazendo o bem. E não estou
sozinho… Alguns amigos bons pensam como eu.
– Eu sei. Mas diz-me, tu, e seja sincero: o que diz Gamaliel?
– O Rabi?… Ele diz… Sim, ele diz: “O Altíssimo dará o sinal se este é
o seu Cristo.”
– Ele diz bem. E que diz José, o Ancião?
– Que Tu és o Filho de Deus, que reinarás como Deus.
– José é um justo. E Lázaro de Betânia?
– Ele está sofrendo… Pouco fala… Mas diz… que tu reinarás, somente
quando os nossos espíritos te acolherem.
– Lázaro é um sábio. Quando os vossos espíritos me acolherem. Por
enquanto, vós, mesmo aqueles que Eu julgava espíritos acolhedores, não
acolheis o Rei e o Reino. Nisso é que está a causa de minha dor.
464.12 – Afinal, Tu te recusas? –gritam muitos.
– Vós o dissestes.
– Tu nos fizeste comprometer-nos, Tu nos prejudicas, nos… –outros
também gritam: herodianos, escribas, fariseus, saduceus, sacerdotes…
Jesus deixa a mesa e vai para o lado deste grupo, dardejando-o com
seus olhares! Eles, involuntariamente, emudecem, encolhem-se junto à
parede… Jesus vai colocar-se bem na frente deles, e diz em voz baixa, mas
de modo bem incisivo, sem rodeios e cortante como a lâmina de um sabre:
– Está dito[50]: “Maldito quem fere às escondidas o seu próximo, aceita
presentes para condenar à morte um inocente.” E Eu a vós digo: Eu vos
perdoo. Mas o vosso pecado é bem conhecido pelo Filho do Homem. Se Eu
não vos perdoasse… Por muito menos foram reduzidos a cinzas por Javé
muitos em Israel. Mas Jesus está tão terrível ao dizer isso, que ninguém
ousa mover-se. Jesus levanta a pesada cortina dupla, e sai para o átrio, sem
que ninguém ouse fazer um gesto.
Somente quando o toldo para de mover-se, isto é, depois de alguns
minutos, é que eles parecem despertar.
– É preciso apanhá-lo… É preciso prendê-lo… –dizem os mais
enfurecidos.
– É preciso pedir perdão –suspiram os melhores, que são Manaém,
Timoneu, alguns prosélitos, aquele de Bozra, os retos de coração, afinal.
Eles se agrupam fora da sala. Procuram e perguntam aos servos:
– O Mestre, onde está?
O Mestre? Ninguém o viu, nem mesmo aqueles que estavam aos lados
das duas portas do átrio. Ele não está. Com tochas e archotes o estão
procurando por entre as sombras do jardim e no quarto onde Ele havia
descansado. Não está, nem o seu manto, que Ele havia deixado sobre a
cama, nem sua bolsa deixada no átrio…
– Ele fugiu de nós. É um Satanás! Não. É Deus. Ele faz o que quer. Ele
nos trairá. Não. Ele nos conhecerá por aquilo que somos.
Há um clamor de pareceres e de insultos recíprocos. Os bons gritam:
– Vós nos seduzistes! Traidores! Nós devíamos ter pensado nisso!
Os maus, isto é, a maior parte, ameaçam, e aquela cambada, tendo
perdido de vista o seu bode expiatório, contra o qual queriam virar-se,
viram as duas partes contra si mesmas…
464.13E Jesus, onde está? Eu o estou vendo, por vontade dele, muito
longe, perto da ponte sobre a desembocadura do Jordão. Ele vai
rapidamente, como se estivesse sendo levado pelo vento. Seus cabelos
fazem ondas ao redor de seu rosto pálido, sua veste vai se sacudindo como
uma vela, por seu modo rápido de andar. Depois, quando Ele tem certeza de
já estar bem longe, vai amoitar-se no meio dos juncos da margem, depois
segue para o lado do oriente e, logo que encontra os primeiros escolhos do
alto rochedo, sobe por ele, sem tomar cuidado com a falta de claridade que
torna perigoso subir pela costa muito íngreme. Sobe, vai subindo até a uma
outra rocha, que se projeta sobre o lago, sombreada por um carvalho
secular. Lá se assenta, pondo um cotovelo sobre o joelho e sobre a palma da
mão coloca o queixo. Com o olhar fixado na vastidão do ar que já escurece,
mal pode ainda ser visto pela brancura de sua veste e pela palidez do seu
rosto, e está…
464.14Mas houve alguém que o acompanhou: João. João está seminu, isto
é, só com sua veste curta de pescador, com os cabelos hirtos de quem tinha
estado na água, ofegante, mas também pálido. Ele se aproxima devagar do
seu Jesus. Parece uma sombra que vai deslizando sobre a rocha escabrosa.
Ele pára, não muito longe. E fica vigiando a Jesus… Não se move. Parece
um penhasco, perto de outro penhasco. Sua túnica escura o faz desaparecer
ainda mais, só o seu rosto, as pernas e os braços nus é que são ainda visíveis
na sombra da noite.
Quando ele não está vendo Jesus, ou também o ouve chorar, aí ele não
resiste mais, e vai-se aproximando dele até poder dizer-lhe:
– Mestre!
Jesus ouve o barulho e levanta a cabeça, e, pronto para fugir, recolhe
suas vestes.
Mas João grita:
– Que foi que te fizeram, Mestre, para que Tu nem conheças mais João?
Jesus reconhece, então, o seu Predileto. Estende-lhe os braços e João se
lança neles. Os dois choram por dois sofrimentos diferentes, mas por um só
amor.
Depois o pranto se acalma e Jesus, por primeiro, volta a ter a clara
visão das coisas. Ele escuta, vê João seminu, com a túnica úmida, as carnes
geladas, descalço.
– Como é que estás assim nesse estado? E por que não estás com os
outros?
– Oh! Não me repreendas, Mestre. Eu não podia ficar lá… Não podia
deixar-te ir embora. Por isso me despojei da veste e de tudo menos disto, e
me joguei a nado voltando para Tariqueia, e de lá, pela margem, correndo
para a ponte, depois caminhando, vim atrás de Ti. Cheguei, escondendo-me
no fosso do lado da casa, pronto para vir em tua ajuda, ou pelo menos para
saber se te haviam raptado, se te estavam maltratando. Ouvi, então, muitas
vozes, umas contra as outras e, depois, te vi, quando passaste diante de
mim. Parecias um anjo. Por seguir-te sem te perder de vista, eu caí em
buracos e poças d’água, estou todo enlameado. Talvez eu tenha sujado a tua
veste… Eu estive te olhando, desde que estás aqui… Estavas Tu chorando?
464.15Que foi que te fizeram, meu Senhor? Eles te insultaram? E te
bateram?
– Não. Eles me queriam fazer rei. Um pobre rei, João. E muitos
queriam fazer isso de boa fé, por um verdadeiro amor, com uma intenção
boa… Mas os outros… para poderem denunciar-me e prender-me.
– Quem são estes tais?
– Não o perguntes.
– E os outros.
– Não perguntes nem o nome desses. Não deves odiar, nem criticar…
eu os perdoo…
– Mestre… havia também discípulos? Diga-me isso apenas.
– Sim.
– E apóstolos?
– Não, João. E nenhum apóstolo.
– É verdade, Senhor?
– É verdade, João.
– Ah! Graças a Deus por isso. Mas, por que ainda estás chorando,
Senhor? Eu estou contigo. Eu te amo por todos. Também Pedro, André e os
outros… Quando viram que eu me joguei no lago, disseram que eu estava
doido, e o meu irmão dizia que eu queria morrer nos redemoinhos. Depois é
que me compreenderam, e gritaram: “Deus esteja contigo. Vai, vai…” Nós
te amamos. Mas nenhum como eu, um pobre rapaz.
– Sim. Nenhum como tu. Estás com frio, João? Vem cá sob o meu
manto…
– Não, aos teus pés, assim… Mestre meu! Por que será que todos não te
amam, como este pobre jovem, que eu sou?
Jesus o puxa sobre seu coração, sentando-se ao lado dele.
– É porque eles não têm o teu coração de jovem…
– Eles te queriam fazer rei? Mas não compreenderam ainda que o teu
Reino não é desta terra.
– Não compreenderam.
464.16 – Sem falar os nomes, conta como foi, Senhor…
– Mas tu não irás dizer que fui eu quem te disse?
– Se assim Tu queres, eu não o direi…
– Tu não o dirás, a não ser quando os homens quiserem mostrar-me
como um daqueles caudilhos populares. Um dia isto vai acontecer. E tu
estarás lá. E dirás: “Ele não foi rei da terra, porque não quis. Porque o seu
Reino não era deste mundo. Ele era o Filho de Deus, o Verbo encarnado,
não podia aceitar o que era terreno. Ele quis vir ao mundo e revestir-se com
uma carne, para redimir as carnes, as almas e o mundo, mas não se
submeteu às pompas do mundo e aos estímulos para o pecado, nada de
carnal ou mundano houve nele. A luz não se deixou enfaixar pelas Trevas, o
Infinito não se apegou a coisas finitas, mas sim às criaturas limitadas pela
carne e pelo pecado e fez delas criaturas que lhe fossem iguais, levando os
que tivessem fé nele à realeza verdadeira, instaurando o seu Reino nos
corações, antes de instaurá-lo nos Céus, onde ele será completo e eterno,
estando com todos os que foram salvos.” Isto é o que dirás, João, aos que
quiserem dizer que Eu sou todo homem, ou que Eu sou todo espírito, e a
quem negar que Eu tenha sofrido tentação… e dor… e que eles, os homens,
foram redimidos, também pelo meu pranto…
– Sim, Senhor. Como sofres, Jesus!
– Como Eu redimo! Mas tu me consolas no sofrimento. Ao raiar da
aurora, partiremos daqui… E encontraremos uma barca. Tu acreditas, se Eu
te disser que poderemos navegar sem remos?
– Eu acreditaria, mesmo se Tu dissesses que poderíamos navegar sem
barca…
Os dois ficam abraçados, envolvidos no úmido manto de Jesus, e João,
sentindo-se aquecido, acaba adormecendo, cansado como estava, como um
menino nos braços de sua mãe.
31 de julho de 1946.
464.17 Diz Jesus:
– Eis que aos retos de coração foi dada esta página do Evangelho,
desconhecida, mas muito, muito instrutiva. João, ao escrever depois de
muitos lustros o seu Evangelho, faz uma breve alusão[51] a esse fato.
Obediente ao desejo do seu Mestre, do qual ele põe em evidência, mais
do que os outros evangelistas, a natureza divina, revela aos homens um
ponto particular e ignorado, e o revela com aquele seu recato virginal que
adornava todas as suas ações e palavras, com um pudor humilde e
penitente.
João, o meu confidente nos fatos mais graves de minha vida, nunca quis
ficar se gloriando desses meus favores. Antes, pelo contrário, lede bem,
parece que ele sofre, quando precisa revelá-los, e chega a dizer: “Devo
dizer isto, porque é uma verdade que exalta o meu Senhor, mas eu vos peço
perdão por dever mostrar-me como o único a saber dela”, e, com palavras
bem concisas, vai fazendo alusão a uma verdade da qual só ele foi feito
conhecedor.
464.18Lede o primeiro capítulo do seu Evangelho, onde ele narra o seu
encontro comigo: “João Batista estava novamente com dois de seus
discípulos… Os dois discípulos, tendo ouvido estas palavras… André,
irmão de Simão Pedro, era um dos dois que tinham ouvido as palavras de
João, e haviam acompanhado a Jesus. O primeiro com quem André se
encontrou…” Ele não diz o seu próprio nome, pelo contrário, ele se esconde
atrás de André, cujo nome ele faz aparecer.
Em Caná ele estava comigo, e diz: “Jesus estava com os seus discípulos
que creram nele.” Eram os outros que tinham necessidade de crer. Ele já
cria Mas ele se ajunta aos outros como uma criatura necessitada de ver
milagres para crer.
Testemunha da primeira expulsão dos mercadores do Templo, durante o
colóquio com Nicodemos, no episódio da Samaritana, ele nunca diz: “Eu
estava lá”, mas conserva a linha de conduta que ele escolheu em Caná, e
diz: “os seus discípulos”, mesmo quando ele estava sozinho, ou ele e algum
outro. E assim continua, não dizendo nunca o seu nome, pondo sempre na
frente os companheiros, como se ele não tivesse sido o mais fiel, o sempre
fiel, o perfeitamente fiel. Lembrai-vos da delicadeza com que ele faz alusão
ao episódio da Ceia, do qual se conclui que ele era o predileto, reconhecido
como tal até pelos outros, que a ele recorrem, quando querem saber os
segredos do Mestre: “Começaram, então, os discípulos a olhar uns para os
outros, não sabendo a quem o Mestre se referia. Estava um deles, o
predileto de Jesus, pousando a cabeça sobre o peito dele. E a ele, Simão
Pedro fez um sinal, perguntando: ‘De quem e que Ele está falando?’ E ele,
encostado como estava sobre o peito de Jesus, perguntou-lhe: ‘Mas, quem é,
Senhor?’”
Ele nem mesmo põe o seu nome, como tendo sido chamado no
Getsêmani, junto com Pedro e Tiago. Também ele não diz: “Eu acompanhei
o Senhor”, mas diz: “Acompanhou-o Simão Pedro e um outro discípulo,
esse outro discípulo, sendo conhecido do Pontífice, entrou com Jesus no
átrio do Pontífice.” Sem João, eu não teria tido o conforto de vê-lo, junto
com Pedro, nas primeiras horas da captura. Mas João não se gaba disso.
Sendo um dos personagens principais nas horas da Paixão, o único apóstolo
que esteve sempre presente, amorosamente, piedosamente, heroicamente
presente perto do Cristo, perto de sua Mãe, enfrentando uma Jerusalém
desenfreada, omite o seu nome até no episódio tão relevante da Crucifixão e
das palavras do moribundo: “Mulher, eis aí o teu filho.” “Eis aí a tua Mãe.”
E o “discípulo”, o sem nome, sem outro nome senão aquele que é a sua
glória, depois de ter sido a sua vocação: “discípulo.”
Tendo-se tornado o “filho” da Mãe de Deus, nem mesmo depois de
receber essa honra, ele se exalta, e na Ressurreição ainda diz: “Pedro e o
outro discípulo (ao qual Maria de Lázaro havia falado do sepulcro vazio)
saíram e foram andando… Iam correndo… mas aquele outro discípulo
correu mais do que Pedro, chegou antes, inclinou-se e viu… mas não
entrou…”, Esta passagem está cheia de uma suave humildade! Pois ele
deixa, ele, o fiel, que Pedro, o chefe, embora pecador por covardia, entre em
primeiro lugar. Ele não o julga. Pois é o seu Pontífice. Mas o socorre com
sua santidade, porque também os “chefes” sentem necessidade dos seus
súditos, de serem socorridos. Quantos súditos existem melhores do que os
seus “chefes”, os chefes que não sabem suportar, ou nos quais a fumaça da
honra produz cegueira e embriaguez. Sede, ó súditos santos, sede os
cireneus dos vossos Superiores, sede, e sê tu, ó meu pequeno João, porque a
ti Eu falo para todos os “Joãos”, que guiam os “Pedros”, que não sabem
compreender e crer, chegam a mostrar-se e a fazer crer que são uns obtusos
e incrédulos, eles também, como os “Pedros”.
Lede o episódio sobre o lago de Tiberíades. É ainda João que, repetindo
um ato feito outras vezes, reconhece o Senhor no Homem que está de pé
sobre a margem e, depois de ter partido o pão junto com os outros, à
pergunta de Pedro: “E a este que é que acontecerá?”, é sempre “o
discípulo”, e nada mais.
Em tudo o que se refere a ele, ele se anula. Mas, quando é preciso dizer
alguma coisa, que faça resplender, com uma luz cada vez mais divina o
Verbo de Deus Encarnado, eis que João levanta os véus, revela um segredo.
464.19 No sexto capítulo do Evangelho, ele diz: “Tendo percebido que
queriam arrebatá-lo para o fazerem rei, fugiu de novo sozinho para o
monte.” E tornou-se conhecida para os que tinham fé, esta hora do Cristo,
para que os que têm fé saibam como multíplices e complexas foram as
tentações e as lutas contra o Cristo nas suas diversas características de
Homem, de Mestre, de Messias, de Redentor, de Rei, e que os homens e
Satanás, o e-erno instigador dos homens, não pouparam nenhuma cilada ao
Cristo, para diminuí-lo, abatê-lo, destruí-lo. Contra o Homem, o Eterno
Sacerdote, o Mestre, o Senhor, moveram-se em assalto as malícias satânicas
e humanas, mascaradas com os preceitos que podiam ser mais aceitáveis
como bons, assim as paixões dos cidadãos, dos patriotas, do filho, do
homem, tudo foi instigado ou tentado para descobrirem algum ponto fraco,
por baixo do qual introduzissem a alavanca.
Oh! Filhos meus, que não refletis senão na tentação inicial e na última
tentação, que das minhas fadigas de Redentor, só vos parecem “fadigas” as
últimas, e que dolorosas só foram as extremas, que amargas e
decepcionantes só o foram as últimas experiências, tomai, por uma hora, o
meu lugar, fazei de conta que sois vós aqueles aos quais vem a projetada
paz com os compatriotas, a ajuda deles, a possibilidade de completar as
purificações necessárias para tornar santo o País amado, a possibilidade de
restaurar, reunir os membros espalhados de Israel e de pôr um fim à dor, à
escravidão política e ao sacrilégio. Eu não digo: tomai o meu lugar,
pensando que vos está sendo oferecida uma coroa. Eu só vos digo que
tenhais o meu Coração de Homem, por uma hora e digais: “é uma proposta
sedutora.” Como teríeis vós ficado? Triunfadores, fiéis à divina Ideia, ou,
antes, uns vencidos? Nem teríeis ficado santos e espirituais, ou teríeis
destruído a vós mesmos, aderindo à tentação ou cedendo às ameaças? E,
com que coração teríeis ficado, depois de haverdes verificado até que ponto
Satanás arremessava suas armas para ferir-me em minha missão e em meus
afetos, desviando-me para um caminho errado e também aos discípulos
bons, pondo-me em luta aberta com os inimigos, agora desmascarados e
tornados ferozes, por terem sido descobertos em suas tramas?
464.20 Não fiqueis com o compasso e a régua na mão, com o microscópio
e a ciência humana, não fiqueis com argumentações pedantes de escribas, a
medir, a confrontar, a discutir se João falou bem, até onde é verdade isto ou
aquilo. Não apliqueis a frase de João ao episódio acontecido ontem, a fim
de poderdes ver se os contornos das coisas se ajustam. João não errou por
uma fraqueza de velho, como não errou o pequeno João por sua fraqueza de
enferma. Este disse o que viu o grande João, muitos lustros depois do fato,
narrou o que sabia, e, com uma fina concatenação dos lugares e dos fatos,
revelou o segredo, conhecido só por ele, da tentada, e não sem malícia,
coroação do Cristo.
Em Tariqueia, depois da primeira multiplicação dos pães, surge no
meio do povo a ideia de fazer do Rabi de Nazaré o Rei de Israel. Estão
presentes Manaém, o escriba e muitos outros que, imperfeitos ainda no
espírito, mas honestos no coração, acolhem a ideia, e dela se fazem fautores
para prestar honra ao Mestre e pôr um fim à luta injusta contra Ele, por um
erro de intepretação das Escrituras, erro difundido por todo Israel,
encegueirado por sonhos de uma realeza humana e pela esperança de
santificar a Pátria contaminada por muitas coisas.
Muitos, como é natural, aderem simplesmente a esta ideia. Mas muitos
outros fingem, traiçoeiramente, que aderem a ela para me prejudicarem.
Unidos estes últimos pelo ódio contra mim, esquecem-se dos seus ódios de
casta, que sempre os obrigou a ficar separados, se aliam para tentar-me, a
fim de depois poderem dar uma aparência legal ao delito, que já estava
decidido em seus corações. Eles estão esperando por alguma minha
fraqueza, por algum ato meu de orgulho. Estes, o orgulho e a fraqueza e a
minha aceitação da coroa a mim oferecida, teriam servido como uma
justificação para as acusações que queriam lançar contra Mim. E depois…
Depois procurariam dar paz ao seu espírito, traiçoeiro e castigado pelos
remorsos, porque teriam dito uns aos outros, esperando que se pudesse crer:
“Foi Roma, não nós, quem puniu o agitador Nazareno.” A eliminação legal
do seu Inimigo, pois assim era considerado por eles o Salvador deles… Eis
as razões da proclamação que tentaram fazer. Eis a chave que abriu
caminho para os mais fortes e sucessivos ódios. Eis, enfim, a alta lição do
Cristo. Vós a compreendeis? É uma lição de humildade, de justiça, de
obediência, de fortaleza, de prudência, de fidelidade, de perdão, de
paciência, de vigilância, de tolerância, para com Deus, para com sua própria
missão, para com os amigos, para com os decepcionados, para com os
inimigos, para com Satanás, para com os homens, seus instrumentos de tenação, para com as coisas, para com as ideias… Tudo deve ser contemplado,
aceito, repelido, amado ou não, olhando-se para o fim santo do homem: o
Céu, a vontade de Deus.
464.21 Pequeno João. Esta foi uma das horas de Satanás para Mim. Como
as teve o Cristo, assim as têm os pequenos cristos. É preciso sofrê-las e
superá-las sem soberbas e sem desconfianças. Elas não são sem uma
finalidade. E finalidade boa. Mas não temas. Deus, durante essas horas, não
abandona, mas ajuda a quem é fiel. Depois desce o Amor para transformar
os fiéis em reis. E, mais ainda, tendo terminado o tempo desta Terra, sobem
os fiéis para o Reino, em paz para sempre…
A minha paz, pequeno João, coroado de espinhos. A minha paz.
[48] disse, em 402.2/7.
[49] maior do que ele, do qual se fala no libro de Neemias. Seguiram outras alusões bíblicas: Deuteronômio 5,30; Juízes 4,4-16; 1
Samuel 10,1; 16,1-13; 2 Samuel 2,1-4; 5,1-3; 1 Reis 1,32-40; 1 Macabeus 2,42-44; 3,1-9.
[50] Está dito, em Deuteronômio 27,24-25.
[51] breve alusão, isto é, a de João 6,14-15, inserida no fim do episódio da primeira mutliplicação dos pães, que ocupa os versos
anteriores 1-13. A multiplicação dos pães, que na obra se encontra no capítulo 273, não foi contemporânea à tentativa de
proclamação de Jesus como Rei (como aparentava pelo Evangelho de João), mas serviu para suscitar a ideia, tanto que o
evangelhista une a narração a dois fatos distantes no tempo, como se dirá mais abaixo, em 464.20. Pela cronologia dos
Evangelhos, Jesus falará ainda em 468.1; e dos fatos silenciosos dos Evangelhistas em 594.9.

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