MEDITAÇÃO DO ESTUDO
LÁGRIMAS DE JESUS E DE MARIA.
Deveis saber, esposa caríssima que eu conhecia muito bem quais os atos e as ofertas que seriam; agrado de meu Pai e que desejava ardentemente do mim, e eu, em tudo o comprazia, de modo que ficava plenamente satisfeito e contente; e por, esta complacência que de mim recebia, dignava-se ainda comprazer-me o condescender benignamente a respeito dos pedidos que lhe dirigia em prol de meus irmãos, porque o que lhe dizia e fazia, tudo fazia em favor deles, com ânsia e veemente desejo de vê-los todos salvos e para que todos tivessem parte em meus méritos e na Redenção. Por aqueles que deviam disto ficar privados — os quais via bem distem troca da obstinação em que vivem esses míseros cegos, sem a luz da fé e por isso excluídos da Redenção e privados efetivamente de meus méritos. Oh! quanto me afligia ver tantas almas que eu amava e às quais desejava todo o bem por serem obras de meu Pai! Tinha vindo ao mundo para salvá-las e por culpa delas mesmas de nada lhes serviriam a Redenção e tantos méritos! Era meu anelo que todas as almas eleitas se unissem a mim para chorar; e este anelo penetrava no coração de minha Mãe querida e ela também se desfazia em pranto. Agradava-me sobremaneira vê-la tão unida a mim, a chorar tão grande perda. Oferecia estas lágrimas e esta dor a meu Pai, e pedia-lhe desse sentimentos semelhantes às almas escolhidas, especialmente àquelas que podiam fazer algum bem às almas cegas e desventuradas, a fim de ajudá-las e comunicar-lhes o conhecimento do verdadeiro Deus e chamá-las assim à luz da verdadeira fé e fazê-las partícipes da Redenção. Não fosse inútil para elas a Redenção que eu obtivera tão copiosa, por falta de quem lhes ensinasse a verdadeira fé.
O PRIMEIRO BEIJO DE MARIA E JESUS.
Estando, pois, nos braços de minha dileta Mãe e percebendo o desejo de seu coração de dar-me a mim, seu Filho amado, um casto beijo e também recebê-lo de mim — desejava-o muito mais do que a figura da esposa sagrada que dizia ao amado de seu coração: “Ah! Beija-me com os beijos de tua boca!” (Cant. 1:1)— com muito mais ardor ansiava eu por comprazê-la e por ter ainda o prazer que podia receber de uma criatura tão pura e inocente e por mim tão amada e tão amante. Dei-lhe esta satisfação com a plenitude de consolação que podia receber uma criatura tão digna, convidando-a primeiro a aproximar II seus castos lábios de meu rosto, a fim de dar-me e de receber de mim o beijo sagrado. Fiz penetrar este convite amorosamente em seu coração e, como já compreendia minha voz interior, atendeu logo ao amoroso convite, beijou-me a seu gosto e foi correspondida com tanto amor que, enchendo-a de nova graça, fê-la saborear a doçura do casto beijo. Também eu senti grande deleite em recebê-lo dela. E este primeiro beijo dado à minha querida Mãe ofereci a meu Pai, com aquele que dela recebi e com todos esses deleites de espírito que fiz sua alma saborear e que minha humanidade sentiu, rogando-lhe se dignasse fazer com que as almas inocentes que, desejosas de provarem sua suavidade, lha pedissem intensa-,.mente, experimentassem amiúde as doçuras divinas e fosse Ele o primeiro a convidá-las, quando elas o desejassem. De fato, mostrou-se pronto a fazê-lo, dizendo pela boca do profeta real: “Provai e vede como o Senhor lip é bom”! (SI. 33:9). A meu Pai muito agradou esta oferta e súplica e condescendeu benignamente a tudo que lhe pedira, de modo que as almas amantes podem ter o desejo de experimentar a doçura e a suavidade de Deus, porque serão satisfeitas, corno, de fato, o experimenta quem o deseja.
MUlTA PRIVAÇÃO. Não se deve julgar, caríssima esposa, que, ao experimentarmos tanto eu como minha querida Mãe tamanho gosto, suavidade e agrado neste ato amoroso de nos beijarmos com recíproco afeto, eu admitisse com freqüência este gosto; antes, para privar-me de tudo quanto podia causar-me consolação, abstive-me justamente do que mais me consolava. Raríssimas vezes houve entre nós tais atos de mútuo amor. Via o ardente desejo de minha dileta Mãe que excitava em mim um desejo mais veemente não só de comprazê-la, mas de experimentar também eu a doçura de seus castos ‘beijos. Tal desejo tão ardente a tinha mortificado e privado daquilo que anelava, embora fosse perfeito e santo. Oferecia a privação, causa de grande pena, visto ser, enquanto Deus, inclinado a comprazer e consolar as minhas criaturas, e enquanto homem, inclinado a receber consolação das mesmas; oferecia, como disse, a privação a meu Pai em desconto das muitas e graves ofensas que a este respeito ele recebia das criaturas. E quando trocava com minha dileta Mãe este ato de recíproco amor, sempre fazia penetrar-lhe no coração o beijo de Judas traidor e os muitos golpes e desprezos que eu devia receber em meu rosto divino. Fazia-o para moderar a doçura e consolação que em tal ação experimentávamos; ela, pensando nos desprezos de que eu seria alvo; eu, na ingratidão daqueles que me haveriam de menoscabar. Assim o deleite era acompanhado sempre da amargura dos futuros sofrimentos.
ENVOLTO EM PANOS.
Depois que minha querida Mãe me segurou durante algum tempo nos braços, já sabia que devia, conforme se faz às outras crianças, envolver-me nos pobres panos preparados para esta ocasião. Minha dileta Mãe fê-lo com muita graça, amor e consolação. Tal consolação, no entanto, não era isenta de amargura, porque lhe dizia ao mesmo tempo ao coração: “Envolvei, minha Mãe, vosso Filho nestes pobres panos, mas sabei que outros liames estão preparados para mim, pois virá o tempo em que serei ligado com cordas e cadeias, sem piedade”. Oh! que tormento causaram estas palavras ao coração inocente e amante de minha Mãe querida! — Vendo-me, pois, assim envolto e apertado entre os panos, experimentei a pena que sentiria um homem adulto e de juízo maduro. Oferecia o sofrimento a meu Pai, dizendo-lhe: “Eis, ó Pai, vosso amado Filho envolto em faixas! Eis-me ligado e privado inteiramente de movimento! Rogo-vos que vos digneis em virtude desta minha aflição, desatar os vínculos dos pecados das almas incautas, que, com tanta facilidade, se deixam prender e depois não encontram meios de solver os vínculos da iniqüidade e querem, mas não podem por si mesmas. livrar-se. Portanto, Pai amantíssimo, dai-lhes multa graça e força, para poderem se libertar!” Meu Pai prometeu-me tudo e, de fato, vai efetuando isto todos os dias, enquanto muitas almas se acham emaranhadas em duros vínculos de pecado quase sem o perceberem. São, porém, almas destituídas de malícia plena, antes incautamente constrangidas por alguma consideração ou necessidade aparente, encontram-se envolvidas em culpa, mas desejam com vontade decidida livrar-se dos horríveis vínculos. Meu Pai não deixa de ajudá-las de modo particular e muitas, em virtude desta minha oração, ficam inteiramente livres.
Enchi esta alma feliz de tanto gáudio O de tal doçura que quase caiu em êxtase de amor e, prorrompendo em lágrimas de júbilo, parecia-lhe estar num Paraíso de delícias. Não obstante tantas delicias, experimentou também suas amarguras, enquanto olhava essa pobreza em que eu aceitara estar sem que ele pudesse me socorrer como desejava. Alegrei-me também eu, esposa caríssima, ao ver essa alma santa inundada de tais delícias paradisíacas, tendo em seus braços o seu Deus. Não obstante, afligia-me ver-lhe o sofrimento de não poder me socorrer como seria conveniente. Oferecia esta consolação e esta pena a meu Pai, pedindo-lhe se dignasse consolar todas as almas inocentes, fazendo com que possam me prelibar por meio da infusão da graça divina, especialmente aquelas que se afligem com o pensamento de meus sofrimentos. Meu Pai atendia-me em tudo e, efetivamente, realiza-o, fazendo bem amiúde as almas inocentes experimentarem a doçura de minha presença e da divina graça.
PEDIDO AO PAI ENQUANTO HOMEM
Mas vós, esposa caríssima, ficais muito admirada de ouvir que eu, sendo Deus igual ao Pai, lhe pedia todas essas coisas nesta obra explicadas, uma vez que posso, como Deus, decidir e repartir por mim mesmo todas essas graças e favores às criaturas. Conheceis, caríssima, a grande verdade de que eu, verdadeiro Deus, igual ao Pai, sou urna só coisa com o Pai, conforme afirmei a meus discípulos: “Eu e o Pai somos um só” (Jo. 10:30). Mas deveis saber que, tendo-me encarnado e estando assim unido à natureza humana, sou segundo esta natureza menor do que ele. Tinha vindo ao mundo para fazer sua vontade e ser-lhe em tudo submisso. Então, Filho submisso e obediente, dirigia-lhe todos os pedidos e rogava-lhe concedesse aos meus irmãos todas as graças e favores que já vos contei e ainda contarei. Ao ouvir isto, não vos admireis mais, antes confundi-vos e procurai imitar-me na sujeição às criaturas iguais a vós, porque vivi na terra sempre submisso ao Pai, se bem que fosse Deus como ele; também não fui submisso só ao Pai, mas ouvireis nesta obra a quem estive submisso e a que ponto chegou vosso Deus por amor ao homem que, ingrato e rebelde, recusa as mais das vezes sujeitar-se a seu próprio Criador, resistindo a sua vontade.
JESUS NA MANJEDOURA
Destinado, como já vos disse, a jazer numa manjedoura de animais, sobre uni pouco de feno, minha querida Mãe tornou-me novamente e com as próprias mãos, em companhia de José, colocou-me no presépio e, adorando-me, juntos se puseram genuflexos a contemplar o divino mistério. Jazia eu entre dois animais que procuravam esquentar-me com seu hálito e com este humilde ato me reconheciam corno seu Criador; como se fossem dotados do uso da razão, estavam bem atentos e admirados, parecendo compadecer-se de minha Enquanto me encontrava deitado naquela vil manjedoura, quanto, ó pobreza esposa . minha, agi eu em favor de meus irmãos junto do Pai! Sentia em alto grau, como homem que era, aquela pobreza e humilhação. Via que nascera num estábulo. Além disso repousava num lugar tão humilde, tendo por mimo, um pouco de feno que por sorte aí se achava, sobejo de animais. Via, esposa minha, os dois animais diante de mim, as duas personagens presentes ao meu nascimento. Grande coisa, esposa minha! Quem jamais haveria pensado que vosso Deus se humilhasse tanto até chegar a ficar numa manjedoura em companhia de animais e ter necessidade de seu hálito para se esquentar? No entanto, foi assim! Houve, sem dúvida, primeiro, cantos e sinfonias dos anjos, mas eles foram enviados por meu Pai, a fim de que me honrassem como seu Rei. Porém, que me deu o mundo pelo qual nasci na terra? Um estábulo e uma manjedoura para repouso. Este foi meu primeiro presente por ocasião de minha vinda à terra. Ouvireis depois o que me deu na partida, o que fiz no fim de minha vida. Estando, pois colocado assim no feno, em ato de repouso, sofri em minha humanidade. Em primeiro lugar, ofereci a meu Pai o sofrimento em desconto de tantas suavidades e delicadezas que as criaturas procuram ter em seu repouso, chegando esta suavidade até a enganar mesmo as pessoas mais perfeitas, com a escusa de serem obrigadas a conservar a saúde, quando, ao invés, sem o perceber, satisfazem o amor próprio. Pedi-lhe se dignasse dar graças, forças e virtudes a todos os que nisto soubessem se mortificar, imitando-me, privando-se das delicadezas das quais ainda ordenadamente podiam usar. O Pai se mostrou pronto a assistir a todos e a ajudá-los com sua graça, como efetivamente o fez e está fazendo. E quantos, esposa caríssima, empregaram e empregam o duro pavimento ou um pouco de sarmentos para seu repouso! E no entanto, têm resistência, com tanta generosidade e espírito que parece encontrarem nisto suas delícias. Tudo é fruto de minhas súplicas, visto que, sem graça e assistência particulares, não poderiam aguentar. Vendo-me assim entre dois animais, pedi ao Pai que, em virtude desta humilhação, se dignasse ter piedade e compaixão das almas indignas que, por seus vícios, se tornam semelhantes aos animais; desse-lhes luz e graça, para poderem conhecer o estado miserável em que vivem. E assim como eu não desdenhava estar entre dois animais, assim ele não desdenhasse ficar entre as almas infelizes, com suas luzes e divinas inspirações O Pai prometeu fazê-lo, como deveras o faz; mas as almas insipientes e animais resistem à graça divina, não dão ouvido às divinas inspirações e com sua insipiência e seu desatino encobrem e rejeitam as luzes que o Pai das misericórdias com tanto amor lhes distribui. Afligia-me, esposa caríssima, grande pena por essas almas infelizes. Chorava amargamente sua dureza e cegueira. Oferecia ao Pai minhas lágrimas, a fim de que a divina justiça se desse por satisfeita por todas as ofensas recebidas da parte dos homens animais, de modo tal que, se quisessem retornar ao estado de pessoas racionais, desde já a justiça divina se considerasse satisfeita em relação à satisfação que elas mesmas deveriam dar, por sofrer eu através daquilo em que elas se tornaram culpadas. Deitado assim por algum tempo, e terminados os deveres para com meu Pai, contemplava um por um, distintamente, todos os que me imitariam em semelhantes sofrimentos. Com quanto amor os contemplava! A vista dos sofrimentos deles aliviava um pouco o meu sofrer, porque me consolava ver que haveria quem me amasse e por meio do amor me imitasse. No entanto, esta consolação foi depressa amargurada ao ver tantos e tantas que não só não me imitariam, mas que, ao contrário, procurariam todas as delicadezas, todas as suavidades, mesmo nos próprios lugares
Dê seu testemunho sobre seu encontro com a Divina Vontade